Toxicologia e a lógica dos riscos: câncer ambiental – o quanto estamos seguros?

Toxicologia e a lógica dos riscos: câncer ambiental – o quanto estamos seguros?

Com tantos determinantes e com o célere avanço científico, pode o risco ser valorado de forma estacionária ou definitiva? Qual a lógica dos riscos?

Em matéria publicada pela Folha de São Paulo, é dado destaque ao alerta do ganhador do prêmio Pulitzer sobre os riscos da poluição. O livro premiado “Toms River: A Story of Science and Salvation”, relata a alta incidência de câncer em crianças em uma pequena cidade sob influência de uma indústria instalada no passado, década de 1950, no estado de New Jersey, Estados Unidos.

Entre os relatos, o de uma criança com três meses de vida e diagnóstico de câncer. No hospital, outros diversos casos similares de crianças de áreas vizinhas. A indústria e o Estado não haviam considerado os riscos de longo prazo e não conhecia adequadamente o perigo de seus resíduos, o que de fato é ainda bastante freqüente em diversas organizações do setor público e privado.

O livro traduz a importância do controle dos riscos da exposição a agentes químicos, e o heroísmo que pode ter o método científico no diagnóstico e intervenção dos riscos. Evidencia também, a trágica postura do Estado, dos governos locais e da indústria local, que não se atentaram para o enfrentamento do risco e desconsideraram o longo prazo.

Para discutir a lógica dos riscos, é importante considerar que estamos expostos diariamente a diversos agentes químicos, os quais, na melhor das hipóteses, devem (ou deveriam) ter sido avaliados adequadamente quanto aos riscos.

Ao avaliar sistematicamente, partimos da premissa básica que mantendo a exposição abaixo dos níveis capazes de provocar efeitos à saúde (aplicando-se fatores de incerteza, avaliação ou de segurança) ou dentro de limiares considerados admissíveis (definindo-se um nível tolerável de incidência de determinado agravo na população), obtém-se, um limite, um risco aceitável com base neste paradigma científico.

Por óbvio, na lógica inversa, a Epidemiologia cumpre um importantíssimo papel de contraprova, ao acompanhar o estado de saúde das populações, comparando-se a incidência estimada (teórica) com os níveis de risco aceitáveis com a incidência observada (prática, extraída da realidade), evidenciando nexos entre exposição e efeito, então, a necessidade de reavaliações para a redução dos riscos.

É bastante complexo estabelecer nexo causal para efeitos crônicos (câncer, danos à reprodução e toxicidade para órgãos-alvo), que se manifestam com latência peculiar a partir das exposições ambientais, o que demanda a interface de diferentes disciplinas (Bioestatística, Toxicologia, Ecologia, Epidemiologia e outros).

A Toxicologia está em um momento de sérias mudanças, com as discussões sobre interferentes endócrinos e Efeitos a Baixas Doses (Low-Dose Effects), para os quais se demanda mudança de paradigma no método clássico de avaliação de riscos baseado no antigo postulado de Paracelso.

Preocupa-se agora com riscos da exposição substâncias químicas da ordem de grandeza picomolar e nanomolar (potencialmente abaixo de limites outrora considerados seguros), e conseqüentes danos à reprodução, desenvolvimento, desordens neurocomportamentais e outros. As agências de saúde têm enfrentado a hipótese de que vários dos limites antes considerados seguros podem ter sido definidos de forma subestimada. Se estabelece um novo cenário de ações, como o estudo do exposoma (medida das exposições de um indivíduo durante a vida e do modo pelo qual tais exposições interferem na saúde – estabelecimento de correlações com agravos à saúde); a caracterização de curvas de relação dose-resposta não monotônicas (non-monotonic dose responses – NMDR); a aplicação integrada de ferramentas in silico, ex vivo, in vitro, in vivo, epidemiológicas como ferramentas para a Avaliação dos Riscos; o avanço de métodos analíticos e a integração dessas ações nas políticas de segurança.

Conclui-se então que a lógica dos riscos toxicológicos, consiste justamente na lógica epistêmica, em que se renovam os conhecimentos, fundamentos e ferramentas para avaliação das incertezas não abrangidas por determinado paradigma.

Cabe às organizações do Brasil, o acompanhamento destas novas ferramentas e políticas de segurança, com a integração dos avanços da Toxicologia em suas ações para a salvaguarda da Saúde Pública e Meio Ambiente.

E cabe uma palavra final por demais importante: para que o leitor não pense que o que foi acima apresentado é assunto atualissimamente novo, vale muito recordar aqui o importantíssimo livro de 1983, publicado com o apoio do CNPq, de autoria do notável professor de Saúde Pública da USP, Dr. Diogo Pupo Nogueira, em conjunto com Antonio Franco Montoro, denominado precisamente Câncer e meio ambiente…

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